Visitas na última semana

quarta-feira, 7 de agosto de 2013

"Maió decepção" - Pinto do Monteiro

Seu moço, qu'é viajante
Conhece o Sertão e a praça
Deve conhecê bastante
O que é bondade e desgraça
Sei que o sinhô teve estudo
Conhece um pôco de tudo
Pois munta coisa aprendeu
Quêra iscutá cum atenção
A maió decepção
Que comigo assucedeu.

O meu nome é Malaquia
Sou honrado, honesto e séro
O maió da friguisia
Na bondade e no critéro
Seu moço, sou tão ixato
Qui quando faço o meu trato
Só chego inriba da hora
Tanto qui por causo disso
Num dô valô a registo
Ricibo nem promissora.

Meus papé resorvo tudo
Mas divido eu ser assim
Já levei muito canudo
Jurgando ôtro pru mim
Daqui há 3 légua e meia
Fica a cidade de areia
Que é sede municipá
Foi lá que passei, patrão
A maió decepção
Qui a gente pode passá.

Chegô pru lá um sujeito
Há 6 ou 7 ano atrás
Sem vergonha, sem respeito
Ladrão, cabrêro e sagáz
Chamado Mané José
Tinha a fala de muié
Qui fazia aburrecê
A fala do tal gaito
Era o miado dum gato
Quando pede dicumê.

Lá na cidade, o sujeito
vivia mei introsado
Cum iscrivão e prefeito
Cum juiz e delegado
E o cara lisa, sabido
Aduladô, inxirido
Divido alguém lhe informá
Ficou sabendo q'eu era
Uma pessoa sincera
Intendeu de me robá.

Eu tava, uma manhãzinha
Mai Raqué minha muié
Lá no fugão da cozinha
Bebendo o nosso café
quando uvi uma voz fina
Paricendo uma buzina, dizendo:
"ô de casa, ô de casa"!
Seu moço, naquela hora
Saí de dentro pra fora
Pisando inriba de brasa.

E aquele marmajo horrendo
Da cara de inpatia
Quando me viu, foi dizendo:
"Como vai, seu Malaquia?
Não lhe conheço de vista
Porém, a gente bem quista
Já me deu informação:
Na cidade me dissero
Que o sinhô é o mais sincero
Dos home deste Sertão.

Sabendo desta verdade
Fiquei muito satisfeito
Eu gosto da honestidade
Pois sou deste mesmo jeito
Prá sê pontuá e honrado
Eu já nasci inducado
Mesmo sem tê istudado
A minha fala segura
Tem o valô da iscritura
Cum selo, carimbo e tudo.

Se qué sabê se'é ou não
Vá preguntá na cidade
Lá, eu tenho relação
Cum todas oturidade.
E é purisso qu'i hoje venho
Aqui, cum bastante impenho
Falá cum seu Malaquia
Pra mim'´prestá um dinhêro
Quatrocento mil cruzêro
A juro, pru 15 dia.

Pode crê neste meu dito
O meu trato é tiro e queda
Prá fazê papé bunito
Pôca gente me arrenda
É tanto qui sô um sóço
De uma casa de negóço
Qui tem lá na capitá
E ganho mais um salaro
Pruque sô funcionaro
Do governo estaduá.

Nunca a ninguém inganei
Provo e faço um juramento
E, mesmo fora da Lei
Eu lhe pago a 10 por cento
O lucro num isperdice
Pois gente boa me disse
Qui o dinhêro o sinhô tem
Num injeite risutado
Pruque dinhêro guardado
Nunca deu lucro a ninguém.

Seu moço, eu sou verdadêro
É certo o qui tô dizendo".
Eu intreguei o dinhêro
Cum as duas mão tremendo
Ele, quando recebeu
Fingindo, me respondeu
Dizendo "Seu Malaquia
Os pé qui veio buscá
Os mermo vem lhe pagá
Quando interá 15 dia".

Na hora qui foi saindo
O cabra Mané José
Discunfiança sentindo
A minha isposa Raqué
Pra ele num precebê
Veio logo me dizê
Baixinho, cum a vois fraca
Cuma quem fais cuxixo
"Malaquia, aquele bicho
Tarveis te passe na maca!"

O qui'a muié mim dizia
Foi dito e feito, patrão!
Quando interô 15 dia
O cabra, num chegô não
Desonrô o trato qui feis
E eu fui atrais do freguêis
Daquele peste ladrão.
Era mió num tê ido
Pruque num tinha sufrido
A maió decepção!

Andei atrás do imbruião
Rua arriba, rua abaxo
Dizendo um meus butão:
Miseravi, hoje te acho!
Já tava perdendo a fé
Quando vi Mané Jusé
Na sala de um butiquin
N'uma banca de bibida
Cum sua cara lambida
E o jeito de muié ruim.

Quando vi Mané José
Foi mim'esquentando as ureia
Da cabeça inté o pé
Fugiu-me o sangue das vêia
Eu disse: seu vois de gato
Ocê quebrou nosso trato
Vagabundo sem futuro!
Me diga se já tá pronto
Os meu quatrocentos conto
Quio ocê tumô a juro!

E o cabra me respondeu:
"Tá doido, seu Malaquia?
Juro por Nosso Senhô
Não lhe devo essa quantia
E, despois de resisngá
Negá, negá e negá
Dizendo qui num divia
Me chamou, na mesma hora
Pra eu contá minha história
Dentro da delegacia.

Depois daquele chamado
Eu tive grande alegria
Pruque o sinhô delegado
Há tempo, me cunhecia
Mas lá na repartição
Ele não mim deu tenção
Do meu dito num deu fé
Feis um papé muito preto
Puxando brasa pru'ispeto
Do cabra Mané José.

Eu disse: seu delegado
Seu Mané José um dia
Chegô alegre e vechado
Lá na minha moradia
Eu lhe imprestei um dinhêro
Quatrocentos mil cruzêro
Toda miknha inconomia
O trato já se findô
E hoje aqui ele jurô
Qui num divia essa quantia.

Praajuntar esse dinhêro
Qui tem seu Mané José
Eu passei um ano intêro
Mais Raqué minha muié
Trabaiando todo dia
E fazendo inconomia
Cum o maió sufrimento
Cum aquele caapitá
O meu prano era comprá
Meia duza de jumento.

Sei que o senhô delegado
Conhece bem o mmeu tipo
Eu sou muito acreditado
Dentro desse municipo
Nunca fiz papé ruim
Ele arrespondeu pra mim
"Para pprová a verdade
Sem testemunha num presta
Isso mde palavraa honesta
Foi coisa da antiguidade".

Ali, o cabra safado
Falô um istupidêz
"Muito bem, seu delegado
Gostei do seu portugueis
E o sinhô, seu Malaquia
Me cobrando essa quantia
Tá manchando o meu conceito
É um grande atrevimento
Se quizè comprá jumento
Vá procurá ôtro jeito.

Eu nunca dei prejuízo
Sou um cidadão de bem
E pra vivê, num priciso
Do dinhêro de ninguém
A sua falsa cobrança
É um caso de prisão
Eu devia pprocessá
Porém, vou lhe perdoar
Eu tenho um bom coração.

Seu moço, basta q'eu toque
Nisto que tô lhe falando
Pra muié sintí um choque
Ói Raqué ali, chorando
Num chore não, Raquezinha
Vá lá pra sua cozinha
Se esqueça daquela praga
Daquela infeliz desgraça
Destá, qui a sua trapaça
Lá nos inferno ele paga.

Meu senhô vou lhe pedi
Num me chame ingnorante
Mas, por favô, quera uviA histora vai adiante
Pois o nosso ingrato mundo
Cria certos vagabundo
Da mais bacha natureza
O senhôm inda num viu
Até in que grau subiu
Aquela senvergonheza.

Depois que'o diabo tramô
Aquela feia injustiça
Lá da cidade azulô
Sem mais ninguém tê notíça
e o tempo foi se passando
E foi gastando, gastando
Aquela negra impressão
Que eu tinha do condenado
Eu já tava miorado
Da miknha decepção.

Porém, o prope inocente
Num tem sussego compreto
O diabo, cum seus agente
Num deixa ninguém tá queto
Eu, certa veis resorvi
e um dia saí daqui
Fui batê na capitá
Nujm fui visitá parente
Fui à capitá somente
Vê as beleza do mar.

Mermo sem tê istudado
Sei qui'o mar de tudo tem
Ele é brando, ele'é sisudo
E tanto vai cuma vem
Tem de tudo uma parcela
É das beleza mais bela
Das Obra do Criadô
O mar representa briga
Prazê, tristeza, cantiga
Gemido, sodade e amô.

Eu fui, cum grande alegria
Vê as beleza do má
E naqueele mermo dia
Qui cheguei na capitá
Indo armuçá num hoté
Lá eu vi Mané José
Trabaiando de garçon
Naquela hora, seu molço
Eu sintí tanto sobroço
Qui a fala mudô de tom.

Eu tinha pidido um prato
Quando avistei o bandido
Pensei qui aquele gaito
Num tinha mim cunhecido
Mas tive sorte misquinha
Eu ainda bem num tinha
Nem cumeçado a cumê
Meu prato de refeição
A cuié caiu da mão
quando uviele dizê:
Como vai, seu Malaquia
Se o sinhô qué se hospedá
Vai tê toda garantia
Este'é o hoté popular
Onde honestidade mora
Tem tudo, a toda hora
É essa a pensão que'agrada
A todo e quarqué freguêz
E o quarto é o número 6
Tem cama disocupada.

Senti medonha surpresa
Fiquei danado da vida
Fastei pru meio da mesa
O meu prato de cumida
Fiz dipressa o pagamento
E, nesse mermo momento
Sem ujma palavra dá
Saí pra rua apressado
Cuma quem tinha escutado
A mãe do diabo rinchá.

Fiquei todo diferente
Fiquei isso, fiquei tonto
Veio logo à minha mente
Os meus quatrocentos conto
Qui'aquele cão deu sumiço
Cuma a dor de um panadiço
Qui se'espreme o carnegão
O meu coração doeu
E, de novo apareceu
A minha decepção.

Hoje inté mermo drumindo
Vejo, quando tô sonhando
O Mané José mintindo
E o delegado apoiando
ôtras veis mermo acordado
Fico mei amalucado
Pruque iscuto argum dia
A voz daquele atrivido
Zuando nos meus uvido
"Como vai, seu Malaquia?"

Nenhum comentário:

Postar um comentário