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quinta-feira, 14 de novembro de 2013

APRES FLI

Se faz necessário...

Que o fantasma do medo que oprime não nos force à ocultar verdades.

Que a desesperança não nos impulsione a abdicar dos nossos sonhos.

Que a mão opressora não nos convença que somos incapazes de mudar o que precisa ser mudado.

Que as palavras jogadas ao vento não se percam nos labirintos da desatenção, que encontrem eco e se proliferem.

Que a vontade de arrefecer ante as injustiças não nos sirvam de fertilizantes à alienação.

Que a tensão que por vezes nos impulsiona a fazer vista grossa não seja entrave a ao menos expressar o que pensamos e sentimos.

Que o espelho de um passado sombrio nos sirva de entusiasmo para não mais aceitar o inaceitável.

Que os sons estridentes que somos forçados a ouvir não nos empurre à incultura - tipo fulerage music.

Que as pessoas a quem amamos sejam pelo menos compreensivas com o nosso jeito de ser inconformado.

Que minhas duras palavras não sejam interpretadas como subversivas e sim como um simples grito de alerta; apenas respeitadas como forma de desabafar minha insatisfação com o sistema.

Que essa minha vontade de - vez em quando - abrir mão das minhas convicções sejam tragadas pelos redemoinhos dos ventos tempestivos.

Que a tensão que me corrói por dentro seja amenizada pelo eco do bom senso.

Que o silêncio dos incautos não nos instigue a pensar - e dizer - "não, não é da minha conta".

Faça uma lista de grandes amigos 
Quem você mais via há dez anos atrás 

Quantos você ainda vê todo dia 
Quantos você já não encontra mais 

Faça uma lista dos sonhos que tinha 
Quantos você desistiu de sonhar 

Quantos amores jurados pra sempre 
Quantos você conseguiu preservar 

Onde você ainda se reconhece 
Na foto passada ou no espelho de agora 

Hoje é do jeito que achou que seria? 
Quantos amigos você jogou fora 

Quantos mistérios que você sondava 
Quantos você conseguiu entender? 

Quantos defeitos sanados com o tempo 
Eram o melhor que havia em você 

Quantas mentiras você condenava 
Quantas você teve que cometer 

Quantas canções que você não cantava 
Hoje assobia pra sobreviver 

Quantos segredos que você guardava 
Hoje são bobos ninguém quer saber 

Quantas pessoas que você amava 

Hoje acredita que amam você.


Eu insisto em cantar
Diferente do que ouvi
Seja como for recomeçar
Nada há mais há de vir

Me disseram que sonhar
Era ingênuo - e daí?
Nossa geração não quer sonhar
Pois que sonhe a que há de vir

Eu preciso é te provar
Que inda sou mesmo um menino
Que não dorme - a planejar
Travessuras
Que fez do som da tua risada
Um hino.


Breve ontologia de um matuto sertanejo

Sou matuto sou roceiro
Me criei nos cafundó
Sou sertanejo da gema
Lá das banda dos moco
Lá quando o Sol tá a pino
Castiga o coro sem dó

Campeei gado nas brenha
R a n q u e i   t o c o   fui carreiro
Morei nin  casa de taipa
A d i s p o i s fui ser   o l e r o
Fiz tijolo inté fiz teia
Pás galinha fiz   p u l e r o

Num fiz teia cu'ma aranha
Mas pá c u b r i r   os   c e l e r o
Donde guardava os provento
T r a b a i o   d'um ano   i n t e r o
T o m b é m   pá fazer tapera
Qui'abrigava us   c u m p a n h e r o

Seu m i n i n o se'eu li conto
O c e   d i f i c e    acredita
A vida de sertanejo
Até parece desdita
Mai juro que'é assim mermo
Quem vê de perto acredita

Nos tempo de   t r u v u a d a
As   g o t e r a   p r e t u b a v a
Pingava pá toda banda
Nos cantinho   n o i s   ficava
I n c u i d o   tá quá pinto
In riba dos moi de fava

Nos tempo de verão brabo
Nas catinga eu mim' fiava
Meu pai   c u n 'a   i s t r o v e n g a
Ar macambira cortava
F a c h e r o m a n d a c a r u
Era o qui a gente i n c o n t r a v a

Fazia grandes coivara
E os  i s p i n h o  queimava
Pá mode o gado   c u m e r
A p o i s   a fome era braba
Antes de 'o fogo apagar
No meio do fogareu
O rebanho i n b o c a v a
Os   b i c h i n   c u m i a   tanto
Qui as veis  i n t é  se babava


É   p u r i s s o   qui li conto
Qui é essa minha sina
Fui o avesso do avesso
O raio da   c i l i b r i n a
Correndo atras de gado
Me criei la nas campina

Cedo peguei no arado
C a r p i n a v a   tangi boi
Assim minha infância foi
Nas brenha lá do cerrado
Amansei cavalo brado
Correndo no   m e i   do gado

T o m b e m   a m a n c e i   jumento
Burro, carneiro pá mode
Cambitá tijolo e teia
Pois lá naquelas aldeia
Quando a coisa tava feia
Cambitava   i n t e   n i n   bode

Passava no   m e i   das guerra
Qui a   m u l e c a d a  fazia
De badoque e de peteca
Qui durava   i n t é   um dia
Pedra   c u m i a   no centro
Mermo assim eu num fugia

Escanchado n'um jumento
Qui nem mermo sela tinha
Me sentia importante
Pois mermo sendo tampinha
Num perdia pá ninguém
Lá naquelas freguesia

Pastorei carneiro e cabra
Ovelha vaca e peru
Quando o Sol tava queimando
Logo eu ia   m' i m   c o s t a n d o
C a r   mão cacimba cavando
Nas sombra   d u r   mulungu

Pá mode encontra água
A p o i s   a sede era braba
Lá naquela região
Da donde a gente morava
Era assim lá no sertão
Qui a vida   n o i s   levava

Minha infância assim foi
Labutei desde menino
E mesmo  sendo franzino
Topava qualquer parada
Pernoitava nas estrada
Acordava madrugada

Pensamento indo ao léu
Divagava sem limite
Sempre fui contra o alvitre
De quem machucava gente
Do sertão trago a semente
Na cachola   q u i n é m   véu

Macambira e as urtiga
Nas perna fazia estrago
Da casca do pau pereiro
Trago comigo o amargo
Nunca conheci moleza
Do bem bom passei de largo

O sertanejo é assim
Inventa sua destreza
Dá murro in ponta de faca
Pra ele n'um tem surpresa
Aprende cá Natureza
A n'um   g u e n t a r   desagravo

Pá num vê aquelas cena
Meu pai de lá se 'arrancou
Trazendo c'um ele n o i s
Conselhos do nosso avô
Pá mode a gente i s t u d a r
A p o i s   se a sorte ajudasse
Uns pudia ser doutor

I s c o l a   num tinha lá
Naquelas brenha esquecida
Meu pai juntou toda    t r e n h a
Vendeu pá buscar guarida
Vinhemo   então pá cidade
Pá recomeçar a vida

Eu já era m u l e c o t e
C'uns doze anos de 'idade
I s t r a n h e i    q u i n é m   a gota
A vida aqui na Cidade
Mermo assim  fui me ajeitando
Pegando capacidade

Mar né   q i   i s t u d e i   poco
Pois    p' r u   c e    já   t a l u d i n
Vi tanta   m u i r   f a c e r a
Qui min   g r a c e i   de verdade
P o q u i n   aprendi a ler

Essa 'é a pura verdade.

Ouro de Tolo Raul Seixas
Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73

Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome
Por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa

Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos...

Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal

E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social

Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador

Ah!
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora

De um disco voado

Mesquinho Mundo Malvado - Monólogo malacabado

Mundo malvado!

Maracutaias massificam-se margeando malditas malversações.

Mal-caráteres manipulam massas, mantendo mordomias.

Madrugadas, meninos maltratados/ maltrapilhos mendigam migalhas mastigáveis/ merendáveis - minimizam miserês macabros - moram marquises.

Mocinhas - meras meninas - molestam-se, mortificam-se moralmente (m a l a f o n a s meretrizes menosprezadas) melindram-se  merecidamente - merecem melindrarem-se.

Mulheres mergulham - machucadas, manobradas, mitigadas - mistificam-se: mas, moram malocas; mocambos.

Meios miseráveis, minguados - maldita mesmice milenar.

Malévolo, majestosamente mescla mentiras; mostrando mazelas, misérias, morticínios - maior maldade mundial!

Mesquinhas mentes maquiavélicas manipuladoras: menosprezam, maldizem, manobram, manipulam maliciosamente, mergulham mundos magníficos - momentaneamente - mediocridade moral!

Metrópoles, matutos magros - macrocéfalos - mastigam medias mornas.

Matungos malhados - m a r r e n t os - munindo machados, martelos - m u c h i l a s  muchas - margeiam matas maiores.

Mistificáveis, movem moinhos; moendo manjares mastigáveis  m e l h o r z i n h o s: macaxeira, mandioca, mingaus... - mestiços mastigam morcegos, macacos - monotonia.

Meia-noite, mesa; mariposas marcam moradias - momentos maravilha: motivação mutua - mas, mera mesmice.

Muitos migram macilentos - morarão modestamente - menos moral, menos mantimentos, mais menosprezo, maioria morre mendigando.

Mídia mostra menores metralhados, militares mandões.

Milionários maiorais, montam mansões magnificas; mordomos, m e r c e d e s, motoristas - mordomias mil - mãos maiores.

Magnatas manobram milhões - mas maioria morre minguado: moradia meia-água - menos - m a u s o l e u s  marmorizados.

Mesquinho mundo malvado; merece melhorar - merecemos melhore mais.

Mesmo morresse marginalizado, mastigado, mostraria:

Muda, mundinho merda marginalizante!!!

Insisto em poetizar

Apesar do que ouvi

Teimo em recomeçar

Pouco fiz, mas há de vir

Se me dizem que sonhar é ingênuo

Simplesmente respondo:

E daí?

Vejo - e me pergunto:

Tantos jovens que não ousam sonhar

Sonho eu pois

Pelos que hão de vir

Não, não quero provar nada

Quero sim, mostrar

Que ao longo da estrada

Tropecei mais aprendi

Que mesmo sendo utopia

O sonho alimenta a alma

Alivia o cansaço - acalma.

Metade
Oswaldo Montenegro

Que a força do medo que tenho
Não me impeça de ver o que anseio

Que a morte de tudo em que acredito
Não me tape os ouvidos e a boca

Porque metade de mim é o que eu grito
A outra metade é silêncio

Que a música que ouço ao longe
Seja linda ainda que tristeza

Que a mulher que amo seja pra sempre amada
Mesmo que distante

Pois metade de mim é partida
A outra metade é saudade

Que as palavras que falo
Não sejam ouvidas como prece nem repetidas com fervor

Apenas respeitadas como a única coisa que resta a um homem inundado de sentimentos

Pois metade de mim é o que ouço
A outra metade é o que calo

Que a minha vontade de ir embora
Se transforme na calma e na paz que mereço

Que a tensão que me corrói por dentro
Seja um dia recompensada

Porque metade de mim é o que penso
A outra metade é um vulcão

Que o medo da solidão se afaste e o convívio comigo mesmo se torne ao menos suportável

Que o espelho reflita no meu rosto num doce sorriso que me lembro ter dado na infância

Pois metade de mim é a lembrança do que fui
A outra metade não sei

Que não seja preciso mais do que uma simples alegria pra me fazer aquietar o espírito

E que o seu silêncio me fale cada vez mais pois metade de mim é abrigo a outra metade é cansaço

Que a arte me aponte uma resposta mesmo que ela mesma não saiba

E que ninguém a tente complicar pois é preciso simplicidade pra fazê-la florescer

Pois metade de mim é plateia a outra metade é canção

Que a minha loucura seja perdoada pois metade de mim é amor e a outra metade também.


Cálice
Chico Buarque

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
Pai, afasta de mim esse cálice
De vinho tinto de sangue

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel

Me embriagar até que alguém me esqueça.

ABENÇA MANUEL XUDU

O meu cordel estradeiro
Vem lhe pedir permissão
Pra se tornar verdadeiro
Pra se tornar mensageiro
Da força do teu truvão
E as asas da tanajura
Fazer vuar o Sertão

Meu Moxotó coroado
De xique xique e facheiro
Onde a cascavel cuchila
Na boca do cangaceiro

Eu também sou cangaceiro
E meu cordel extradeiro
É cascavel puderosa
É chuva qui cai maneira
Aguando a terra quente
Erguendo um véu de pueira
Deixando a tarde cheirosa

É planta qui cobre o chão
Na primeira truvuada
A noite qui desce fria
Depois da tarde molhada
É seca disisperada
Rasgando o bucho do chão

É inverno, e é verão
É canção de lavadeira
Peixera de Lampião
As luzes do vagalume
Alpendre de casarão

A cuia do velho cego
Terreiro de amarração
O ramo da rezadeira
O banzo de fim de feira
Janela de caminhão

Vocês qui'estão no palácio
Venham ouvir meu pobretinho
Não tem o cheiro do vinho
Das uvas frescas do lácio
Mas tem a cor de Inácio
Da serra, da caatingueira

Um cantador de primeira
Que nunca foi n'uma escola
Pois meu verso 
É feito a foice
Do cassaco cortar cana

Sendo de cima pra baixo
Tanto corta, como espana
Sendo de baixo pra cima
Voa do cabo e se dana!

sábado, 9 de novembro de 2013

Canto Para A Minha Morte - Raul Seixas

Eu sei que determinada rua que eu já passei
Não tornará a ouvir o som dos meus passos.
Tem uma revista que eu guardo há muitos anos
E que nunca mais eu vou abrir.
Cada vez que eu me despeço de uma pessoa
Pode ser que essa pessoa esteja me vendo pela última vez
A morte, surda, caminha ao meu lado
E eu não sei em que esquina ela vai me beijar

Com que rosto ela virá?
Será que ela vai deixar eu acabar o que eu tenho que fazer?
Ou será que ela vai me pegar no meio do copo de uísque?
Na música que eu deixei para compor amanhã?
Será que ela vai esperar eu apagar o cigarro no cinzeiro?
Virá antes de eu encontrar a mulher, a mulher que me foi destinada,
E que está em algum lugar me esperando
Embora eu ainda não a conheça?

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho
Que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Qual será a forma da minha morte?
Uma das tantas coisas que eu não escolhi na vida.
Existem tantas... Um acidente de carro.
O coração que se recusa abater no próximo minuto,
A anestesia mal aplicada,
A vida mal vivida, a ferida mal curada, a dor já envelhecida
O câncer já espalhado e ainda escondido, ou até, quem sabe,
Um escorregão idiota, num dia de sol, a cabeça no meio-fio...

Oh morte, tu que és tão forte,
Que matas o gato, o rato e o homem.
Vista-se com a tua mais bela roupa quando vieres me buscar
Que meu corpo seja cremado e que minhas cinzas alimentem a erva
E que a erva alimente outro homem como eu
Porque eu continuarei neste homem,
Nos meus filhos, na palavra rude
Que eu disse para alguém que não gostava
E até no uísque que eu não terminei de beber aquela noite...

Vou te encontrar vestida de cetim,
Pois em qualquer lugar esperas só por mim
E no teu beijo provar o gosto estranho que eu quero e não desejo,mas tenho que encontrar
Vem, mas demore a chegar.
Eu te detesto e amo morte, morte, morte
Que talvez seja o segredo desta vida
Morte, morte, morte que talvez seja o segredo desta vida

Deus lhe Pague
Oswaldo Montenegro

Por esse pão pra comer, por esse chão pra dormir
A certidão pra nascer e a concessão pra sorrir
Por me deixar respirar, por me deixar existir

Deus lhe pague

Pelo prazer de chorar e pelo "estamos aí"
Pela piada no bar e o futebol pra aplaudir
Um crime pra comentar e um samba pra distrair

Deus lhe pague

Por essa praia, essa saia, pelas mulheres daqui
O amor malfeito depressa, fazer a barba e partir
Pelo domingo que é lindo, novela, missa e gibi

Deus lhe pague

Pela cachaça de graça que a gente tem que engolir
Pela fumaça, desgraça, que a gente tem que tossir
Pelos andaimes, pingentes, que a gente tem que cair

Deus lhe pague

Por mais um dia, agonia, pra suportar e assistir
Pelo rangido dos dentes, pela cidade a zunir
E pelo grito demente que nos ajuda a fugir

Deus lhe pague

Pela mulher carpideira pra nos louvar e cuspir
E pelas moscas-bicheiras a nos beijar e cobrir
E pela paz derradeira que enfim vai nos redimir

Deus lhe pague

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Fotografia 3X4 Belchior

Eu me lembro muito bem do dia em que eu cheguei
Jovem que desce do norte pra cidade grande
Os pés cansados e feridos de andar legua tirana...nana
E lágrima nos olhos de ler o Pessoa
e de ver o verde da cana..
Em cada esquina que eu passava
um guarda me parava, pedia os meus documentos e depois
sorria, examinando o três-por-quatro da fotografia
e estranhando o nome do lugar de onde eu vinha.
Pois o que pesa no norte, pela lei da gravidade,
disso Newton já sabia! Cai no sul grande cidade
São Paulo violento, Corre o rio que me engana..
Copacabana, zona norte
e os cabares da Lapa onde eu morei
Mesmo vivendo assim, não me esqueci de amar
que o homem é pra mulher e o coração pra gente dar,
mas a mulher, a mulher que eu amei
não pode me seguir não
esses casos de familia e de dinheiro eu nunca entendi bem
Veloso o sol não é tao bonito pra quem vem
do norte e vai viver na rua
A noite fria me ensinou a amar mais o meu dia
e pela dor eu descobri o poder da alegria
e a certeza de que tenho coisas novas
coisas novas pra dizer
a minha história é ... talvez
é talvez igual a tua, jovem que desceu do norte
que no sul viveu na rua
e que ficou desnorteado, como é comum no seu tempo
e que ficou desapontado, como é comum no seu tempo
e que ficou apaixonado e violento como, como você
Eu sou como você. Eu sou como você. Eu sou como você
que me ouve agora. Eu sou como você. COmo Você.

Ouro de Tolo Raul Seixas

Eu devia estar contente
Porque eu tenho um emprego
Sou um dito cidadão respeitável
E ganho quatro mil cruzeiros
Por mês

Eu devia agradecer ao Senhor
Por ter tido sucesso
Na vida como artista
Eu devia estar feliz
Porque consegui comprar
Um Corcel 73

Eu devia estar alegre
E satisfeito
Por morar em Ipanema
Depois de ter passado fome
Por dois anos
Aqui na Cidade Maravilhosa

Ah!
Eu devia estar sorrindo
E orgulhoso
Por ter finalmente vencido na vida
Mas eu acho isso uma grande piada
E um tanto quanto perigosa

Eu devia estar contente
Por ter conseguido
Tudo o que eu quis
Mas confesso abestalhado
Que eu estou decepcionado

Porque foi tão fácil conseguir
E agora eu me pergunto "E daí?"
Eu tenho uma porção
De coisas grandes pra conquistar
E eu não posso ficar aí parado

Eu devia estar feliz pelo Senhor
Ter me concedido o domingo
Pra ir com a família
No Jardim Zoológico
Dar pipoca aos macacos...

Ah!
Mas que sujeito chato sou eu
Que não acha nada engraçado
Macaco, praia, carro
Jornal, tobogã
Eu acho tudo isso um saco

É você olhar no espelho
Se sentir
Um grandessíssimo idiota
Saber que é humano
Ridículo, limitado
Que só usa dez por cento
De sua cabeça animal

E você ainda acredita
Que é um doutor
Padre ou policial
Que está contribuindo
Com sua parte
Para o nosso belo
Quadro social

Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voador

Ah!
Eu é que não me sento
No trono de um apartamento
Com a boca escancarada
Cheia de dentes
Esperando a morte chegar

Porque longe das cercas
Embandeiradas
Que separam quintais
No cume calmo
Do meu olho que vê
Assenta a sombra sonora
De um disco voado

segunda-feira, 21 de outubro de 2013

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quarta-feira, 7 de agosto de 2013

"Maió decepção" - Pinto do Monteiro

Seu moço, qu'é viajante
Conhece o Sertão e a praça
Deve conhecê bastante
O que é bondade e desgraça
Sei que o sinhô teve estudo
Conhece um pôco de tudo
Pois munta coisa aprendeu
Quêra iscutá cum atenção
A maió decepção
Que comigo assucedeu.

O meu nome é Malaquia
Sou honrado, honesto e séro
O maió da friguisia
Na bondade e no critéro
Seu moço, sou tão ixato
Qui quando faço o meu trato
Só chego inriba da hora
Tanto qui por causo disso
Num dô valô a registo
Ricibo nem promissora.

Meus papé resorvo tudo
Mas divido eu ser assim
Já levei muito canudo
Jurgando ôtro pru mim
Daqui há 3 légua e meia
Fica a cidade de areia
Que é sede municipá
Foi lá que passei, patrão
A maió decepção
Qui a gente pode passá.

Chegô pru lá um sujeito
Há 6 ou 7 ano atrás
Sem vergonha, sem respeito
Ladrão, cabrêro e sagáz
Chamado Mané José
Tinha a fala de muié
Qui fazia aburrecê
A fala do tal gaito
Era o miado dum gato
Quando pede dicumê.

Lá na cidade, o sujeito
vivia mei introsado
Cum iscrivão e prefeito
Cum juiz e delegado
E o cara lisa, sabido
Aduladô, inxirido
Divido alguém lhe informá
Ficou sabendo q'eu era
Uma pessoa sincera
Intendeu de me robá.

Eu tava, uma manhãzinha
Mai Raqué minha muié
Lá no fugão da cozinha
Bebendo o nosso café
quando uvi uma voz fina
Paricendo uma buzina, dizendo:
"ô de casa, ô de casa"!
Seu moço, naquela hora
Saí de dentro pra fora
Pisando inriba de brasa.

E aquele marmajo horrendo
Da cara de inpatia
Quando me viu, foi dizendo:
"Como vai, seu Malaquia?
Não lhe conheço de vista
Porém, a gente bem quista
Já me deu informação:
Na cidade me dissero
Que o sinhô é o mais sincero
Dos home deste Sertão.

Sabendo desta verdade
Fiquei muito satisfeito
Eu gosto da honestidade
Pois sou deste mesmo jeito
Prá sê pontuá e honrado
Eu já nasci inducado
Mesmo sem tê istudado
A minha fala segura
Tem o valô da iscritura
Cum selo, carimbo e tudo.

Se qué sabê se'é ou não
Vá preguntá na cidade
Lá, eu tenho relação
Cum todas oturidade.
E é purisso qu'i hoje venho
Aqui, cum bastante impenho
Falá cum seu Malaquia
Pra mim'´prestá um dinhêro
Quatrocento mil cruzêro
A juro, pru 15 dia.

Pode crê neste meu dito
O meu trato é tiro e queda
Prá fazê papé bunito
Pôca gente me arrenda
É tanto qui sô um sóço
De uma casa de negóço
Qui tem lá na capitá
E ganho mais um salaro
Pruque sô funcionaro
Do governo estaduá.

Nunca a ninguém inganei
Provo e faço um juramento
E, mesmo fora da Lei
Eu lhe pago a 10 por cento
O lucro num isperdice
Pois gente boa me disse
Qui o dinhêro o sinhô tem
Num injeite risutado
Pruque dinhêro guardado
Nunca deu lucro a ninguém.

Seu moço, eu sou verdadêro
É certo o qui tô dizendo".
Eu intreguei o dinhêro
Cum as duas mão tremendo
Ele, quando recebeu
Fingindo, me respondeu
Dizendo "Seu Malaquia
Os pé qui veio buscá
Os mermo vem lhe pagá
Quando interá 15 dia".

Na hora qui foi saindo
O cabra Mané José
Discunfiança sentindo
A minha isposa Raqué
Pra ele num precebê
Veio logo me dizê
Baixinho, cum a vois fraca
Cuma quem fais cuxixo
"Malaquia, aquele bicho
Tarveis te passe na maca!"

O qui'a muié mim dizia
Foi dito e feito, patrão!
Quando interô 15 dia
O cabra, num chegô não
Desonrô o trato qui feis
E eu fui atrais do freguêis
Daquele peste ladrão.
Era mió num tê ido
Pruque num tinha sufrido
A maió decepção!

Andei atrás do imbruião
Rua arriba, rua abaxo
Dizendo um meus butão:
Miseravi, hoje te acho!
Já tava perdendo a fé
Quando vi Mané Jusé
Na sala de um butiquin
N'uma banca de bibida
Cum sua cara lambida
E o jeito de muié ruim.

Quando vi Mané José
Foi mim'esquentando as ureia
Da cabeça inté o pé
Fugiu-me o sangue das vêia
Eu disse: seu vois de gato
Ocê quebrou nosso trato
Vagabundo sem futuro!
Me diga se já tá pronto
Os meu quatrocentos conto
Quio ocê tumô a juro!

E o cabra me respondeu:
"Tá doido, seu Malaquia?
Juro por Nosso Senhô
Não lhe devo essa quantia
E, despois de resisngá
Negá, negá e negá
Dizendo qui num divia
Me chamou, na mesma hora
Pra eu contá minha história
Dentro da delegacia.

Depois daquele chamado
Eu tive grande alegria
Pruque o sinhô delegado
Há tempo, me cunhecia
Mas lá na repartição
Ele não mim deu tenção
Do meu dito num deu fé
Feis um papé muito preto
Puxando brasa pru'ispeto
Do cabra Mané José.

Eu disse: seu delegado
Seu Mané José um dia
Chegô alegre e vechado
Lá na minha moradia
Eu lhe imprestei um dinhêro
Quatrocentos mil cruzêro
Toda miknha inconomia
O trato já se findô
E hoje aqui ele jurô
Qui num divia essa quantia.

Praajuntar esse dinhêro
Qui tem seu Mané José
Eu passei um ano intêro
Mais Raqué minha muié
Trabaiando todo dia
E fazendo inconomia
Cum o maió sufrimento
Cum aquele caapitá
O meu prano era comprá
Meia duza de jumento.

Sei que o senhô delegado
Conhece bem o mmeu tipo
Eu sou muito acreditado
Dentro desse municipo
Nunca fiz papé ruim
Ele arrespondeu pra mim
"Para pprová a verdade
Sem testemunha num presta
Isso mde palavraa honesta
Foi coisa da antiguidade".

Ali, o cabra safado
Falô um istupidêz
"Muito bem, seu delegado
Gostei do seu portugueis
E o sinhô, seu Malaquia
Me cobrando essa quantia
Tá manchando o meu conceito
É um grande atrevimento
Se quizè comprá jumento
Vá procurá ôtro jeito.

Eu nunca dei prejuízo
Sou um cidadão de bem
E pra vivê, num priciso
Do dinhêro de ninguém
A sua falsa cobrança
É um caso de prisão
Eu devia pprocessá
Porém, vou lhe perdoar
Eu tenho um bom coração.

Seu moço, basta q'eu toque
Nisto que tô lhe falando
Pra muié sintí um choque
Ói Raqué ali, chorando
Num chore não, Raquezinha
Vá lá pra sua cozinha
Se esqueça daquela praga
Daquela infeliz desgraça
Destá, qui a sua trapaça
Lá nos inferno ele paga.

Meu senhô vou lhe pedi
Num me chame ingnorante
Mas, por favô, quera uviA histora vai adiante
Pois o nosso ingrato mundo
Cria certos vagabundo
Da mais bacha natureza
O senhôm inda num viu
Até in que grau subiu
Aquela senvergonheza.

Depois que'o diabo tramô
Aquela feia injustiça
Lá da cidade azulô
Sem mais ninguém tê notíça
e o tempo foi se passando
E foi gastando, gastando
Aquela negra impressão
Que eu tinha do condenado
Eu já tava miorado
Da miknha decepção.

Porém, o prope inocente
Num tem sussego compreto
O diabo, cum seus agente
Num deixa ninguém tá queto
Eu, certa veis resorvi
e um dia saí daqui
Fui batê na capitá
Nujm fui visitá parente
Fui à capitá somente
Vê as beleza do mar.

Mermo sem tê istudado
Sei qui'o mar de tudo tem
Ele é brando, ele'é sisudo
E tanto vai cuma vem
Tem de tudo uma parcela
É das beleza mais bela
Das Obra do Criadô
O mar representa briga
Prazê, tristeza, cantiga
Gemido, sodade e amô.

Eu fui, cum grande alegria
Vê as beleza do má
E naqueele mermo dia
Qui cheguei na capitá
Indo armuçá num hoté
Lá eu vi Mané José
Trabaiando de garçon
Naquela hora, seu molço
Eu sintí tanto sobroço
Qui a fala mudô de tom.

Eu tinha pidido um prato
Quando avistei o bandido
Pensei qui aquele gaito
Num tinha mim cunhecido
Mas tive sorte misquinha
Eu ainda bem num tinha
Nem cumeçado a cumê
Meu prato de refeição
A cuié caiu da mão
quando uviele dizê:
Como vai, seu Malaquia
Se o sinhô qué se hospedá
Vai tê toda garantia
Este'é o hoté popular
Onde honestidade mora
Tem tudo, a toda hora
É essa a pensão que'agrada
A todo e quarqué freguêz
E o quarto é o número 6
Tem cama disocupada.

Senti medonha surpresa
Fiquei danado da vida
Fastei pru meio da mesa
O meu prato de cumida
Fiz dipressa o pagamento
E, nesse mermo momento
Sem ujma palavra dá
Saí pra rua apressado
Cuma quem tinha escutado
A mãe do diabo rinchá.

Fiquei todo diferente
Fiquei isso, fiquei tonto
Veio logo à minha mente
Os meus quatrocentos conto
Qui'aquele cão deu sumiço
Cuma a dor de um panadiço
Qui se'espreme o carnegão
O meu coração doeu
E, de novo apareceu
A minha decepção.

Hoje inté mermo drumindo
Vejo, quando tô sonhando
O Mané José mintindo
E o delegado apoiando
ôtras veis mermo acordado
Fico mei amalucado
Pruque iscuto argum dia
A voz daquele atrivido
Zuando nos meus uvido
"Como vai, seu Malaquia?"

terça-feira, 16 de abril de 2013

COISAS DO MEU SERTÃO

"Seu dotô qu'é da cidade
Tem diproma e posição
E estudou desne minino
Sem perdê uma lição
Conhece os nome dos rio
Que corre in riba do chão 
Sabe o nome das estrela
Que forma constelação
Conhece todas as coisa
Da história da Criação
E agora quer i à Lua
Causando admiração
Vou fazer uma pergunta
Me preste bem atenção:
Pruque num quis aprendê
As coisa do meu sertão?

Por favô num negue não
Quero o o sinhô me diga
Pruque num quis o roçado
Onde se sofre fadia
Pisando in riba de toco
Lacraia, cobra e furmiga
Cocerento de friera
Incalombado de urtiga
Muntas veis inté duente
Sofrendo dô de barriga
Mas o jeito é trabaiar
Qui a necessidade obriga.

Seu dotô aprendeu tudo
Mas num quis essa lição,
Mode num sofrê na vida
Sacrifício e percisão
Pois aqui veve o matuto
De ferramenta na mão
A sua comida é sempre
Mie, farinha e feijão
E, se as veis, mata um porquinho
Come iguamente um barão

Mas, cuma não tem custume
Dá logo uma indigestão
Ele geme, chora e grita
Não é caçoada não
Mas, cuma num tem dinheiro
Mode comprá injeção
O jeito é bebê das pranta
Qui nasce inriba do chão:
Macela cum quina quina
Chá de foia de mamão
E mais ôtras beberage
Qu'eu num vô dá na relação
Pois, s'eu fosse dizê tudo
Dava um bunito livrão
Mas, porém eu num lhe digo
Pois fais cortá coração
Apenas dô um cumeço
Das coisa do meu sertão.

Se quizé sabê o qui foi
Qui o diabo amansou cum u rabo
Seu dotô, vá no sertão
Venha muntá burro brabo
Cumê feijão cum farinha
Sem tomate e sem quiabo
E manejá uma inchada
Sigurada pelo cabo
Limpando a sumana intêra
De segunda inté nu sabo
Venha cá vê os cabôco
Da paciênça de Jó
Agarrá di manhazinha
Inté chegá o pô do Sol
Vim da roça do patrão
Onde derramou suó
E entrá na sua casinha
Tão póbre de fazê dó
Sem mais ter feijão na latra
Sem ter mio no paió
E a muié disarrumada
Qui a rôpa é remendo só
Maga, triste e pensativa
Cum oito fio in redó

O sinhô nunca sofreu

Na vida só tem gozado
Pois nunca cumeu do pão
Qui o diabo tem amassado
Vê chegá janêro sêco
Feverêro esturecido
E os seus minino cum fome
Chorando pra toda banda
E o sinhô pegar um saco
E sair bem apressado
Pra porta da casa grande
Medroso e disconfiado
E o patrão vim lá de dentro
Falando muito zangado
Dizendo ''d'agora indiante
Não lhe vendo mais fiado
Quin além de não tá chovendo
Você tá endividado''
E o sinhô, de vista baixa
Uvindo tudo calado
Vortá de saco vazio
Pra casa, disconsolado
Discunjurando o patrão
Qui lhe deixõ disprezado.

O sinhô nunca passou

Sofrimento nem azá
Tendo somente uma rôpa
Pra trabaiá e passeá
E aquela dita ropinha
Começando a se grudá
E a muié vim lhe dizê
"Tire a rôpa pra lavar"
E o sinhô incabulado
Sem ter ôtra pra mudá
Se esconde dentro de um quarto
Inté a rôpa inxugá.

Sei qui o sinhô num conhece
Sofrimento nem cancêra
Pois num viu a sua isposa
Sua boa cumpanhêra
Sofrendo pra discançá
De vela na cabicêra
E o sinhô a meia noite
Saí doido na carrêra
Sem s'importá cum buraco
Sem s'importá cum ladêra
Em noite de tempestade
Ppercurando uma partêra.

Pelo jeito q'eu tô vendo
Seu dotô é sabidão
Vem passando a sua vida
Só de caneta na mão
Viuvendo sempre na sombra
Nas bancada dos salão
Aprendeu fazê discuço
Aprendeu ganhar questão
E mais aquelas coisinha
Do preito das inleição
Porém num qus apredê
As coisa do meu sertão
Macaco véio num mete
A mão nim cumbuca não.